
Era uma vez uma parede branca e uma gaiola. Pendurada em uma parede branca e infinitamente alta, estava um gaiola dourada, brilhante e com belos traços delicados. Gaiola mais bela nunca se tinha visto antes. Do topo da gaiola, acompanhando as douradas hastes, desciam sedosas cortinas peroladas que partiam do topo, faziam dois laços, um em cada lado da gaiola, e desabavam serenamente sobre o chão amarelo brilhante. Enroladas nelas, brincavam dois pequenos gatinhos peludos. Um era branco de olhos negros, de nariz achatado e rabo comprido e peludo. O outro era pardo de três cores, olhos azuis acinzentados, um pouco menor que o seu alvo irmão. Brincavam ao som de notas musicais saídas do pequeno rádio branco sobre a estante marrom avermelhada. Ao lado desta estante, dormia tranquilamente um cão branco com manchas marrons claras de grande porte. A música era doce, banhava o belo sofá vermelho de grandes almofadas com uma paz indescritível. A vista da gaiola era deslumbrante. Viam-se os cílios nos puxados olhos dos chineses e dos japoneses, o peixe com batatas servido na casa dos ingleses, o azulejo rachado do Louvre dos franceses, o delicado brinco da jovem italiana, o botão do rádio do carro do americano, o pólen na abelha recém colhido da mesma flor avermelhada que infestava o ar com um odor agradável. Odor que passava dentro da fechadura trancada da porta da gaiola, dividindo espaço com a chave dourada firmemente encaixada na trava interna, que mantinha a porta trancada. Tão perfeitamente encaixada que uma leve volta bastaria para abri-la sem esforço. Suspensos no ar, logo abaixo da pequena porta, encontravam-se dois pezinhos. Eles balançavam para lá e para cá, tão rápidos quanto o lento ritmo da música. Dois pés vestidos com tênis bem amarrados de longos cadarços. As meias curtas nas canelas não escondiam a fina corrente prateada no tornozelo direito, e a saia, por sua vez, escondia um pesado livro de capa dura sobre o colo. Na altura do joelho, encontravam-se rendas cobertas com um tecido leve, o mesmo que cobria os ombros, misturando-se com os fios de cabelo castanhos ondulados. Cabelos estes que brincavam sobre os braços, descansados na ultima delicada linha de metal dourado, escondendo o brilho dos olhos castanhos, quase pretos, da menina que tristemente observava as luzes fora da gaiola. Ela havia entrado ali por escolha própria, nunca tinha sentido tanta atração pela vida aprisionada. Os dedos brincavam com um lápis de cor branca, tirado da grande caixa de madeira com dúzias de cores, as quais se encontravam espalhadas sobre o tapete - a cor azul perigosamente rolara para perto da beirada. Ela movia a ponta do lápis no contorno das grandes nuvens no céu azul. Ela sabia bem porque estava infeliz. Sentia falta da vida de vôos rasantes nos mares e lagos deste mundo, com vento passando veloz pelos longos cabelos. Ela sabia, também, que podia usar a chave da porta a hora que desejasse, mas que nunca conseguiria achar novamente uma gaiola tão satisfatória quanto aquela na qual ela tristemente sonhava com a chuva escorrendo livremente no seu corpo. Por hora, ela vive neste dilema, mas contar-te-ei o que vai acontecer. Ela vai deixar a saudade, mais uma vez, presa na gaiola e vai se jogar dela para saciar as asas com vôo livre, sussurrando a frase que já a havia atormentado em sonhos: "que me venham estes horizontes."