terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Ser (1)

Tão bela, movie-se graciosamente pelo topo das árvores. Há horas, pelo esforço, o suor escorria pelas suas costas. A calça jeans tão rasgata, as roupas tão gastas, tão sujas, tão velhas. Mas tão bela, ó, tão bela. Dançava pelas árvores: era o balé dos cisnes. Os olhos vermelhos e brilhantes como fogo, vívidos.

Purple

Escurecia. Ainda claro o bastante para formar grandes sombras de árvores que correm o chão de folhas ressecadas, grama verde e terra. Com os pés descalços e sujos, ela se equilibrava em um dos galhos. Nada se ouvia a milhas de distância. Ela, de olhos levemente fechados, respirava o ar fresco. Qualquer um menos atento diria ser uma estátua de mármore, bela, pálida, imóvel. Silêncio. Ela sabia o que estava errado. Assim que o sol escondeu seu último raio, ela abriu os olhos. Olhos de gata, negros, profundos. O vestido branco, o forro de renda já amarronzado e rasgado. Os olhos percorriam o horizonte, derrubando gotas de desespero contido. Desde quando as coisas começaram a fazer sentido?

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Bela seja Vossa luz sobre campos e florestas

É nesse corpo grosseiro e inchado, nesse mundo triste de mortais que aprisiono minha alma tão leve e graciosa. Transcendo-o, nessa noite enegrecida de silêncio, e vejo cada vez mais longe as casas engolidas pela neblina. Não sinto o frio úmido que penetraria qualquer casaco de lã. Não sinto o corpo, sou só espírito cavalgando nessa energia incontrolável. Leva-me para longe, deixa-me ver aqui todos aqueles que encontrei nessa vida, tantos daqueles com quem passei séculos de encontros e desencontros. Deixa-me aqui, ó bela do Reino Encantado, que ainda tenho muitas luas para viver. Deixa-me aqui, que se não encontrei Passárgada, é por Avalon que procuro.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Here comes the sun, Little Darlin'

Eu que nunca tinha aberto as portas para o fogo do interior da minha ingenuidade de viver, abri-o para ti. Aquele fogo vital, que se apaga apenas para os fracos de espírito. Aquele fogo que faz o olho brilhar em diamantes. Esse fogo tão precioso, abri e permiti que tu tivesses acesso. Tão ingênua eu fui e sou. Será que ainda não aprendi que o fogo é belo e misterioso, mas também bruto, inconstante, arriscado, nocivo, pernicioso. Frágil. Quantas vezes eu mesma me deparei com falta de combustível para mantê-lo aceso. Mesmo sabendo de tudo isso, abri-o para ti. Não que isso seja de todo o mal. Quantas vezes, também, juntamos o nosso calor e fizemos, do fogo de cada um, algo tão surpreendente. Mas quantas vezes deixaste o meu tão fraco quanto brasa queimando em resto de fogueira... Sinto dizer que estou fechando-o dentro de mim. Fechando-o definitivamente até que as águas antárticas dos seus piores dias estejam em outros pólos. Se eternamente elas assombram o brilho dos nossos olhos, deixarei, assim, que apaguem apenas o teu.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Douglas Adams my ass

Caía da única Terra plana, de grandes cachoeiras desabando no espaço, que não existia. Caía como caiu Aurélia aos pés de Seixas quando ele lhe comprou a liberdade. Caía como tristeza do Pequeno Nicolau ao ver Rex nos braços do verdadeiro dono. Caía como Clarice esperando o livro de Monteiro Lobato no portão da gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados, que nao chegaria em suas mãos novamente. Caía. O peito frio. De um gelo de espinhos vindo de dentro pra fora. Os olhos se fechavam lentamente. Não havia humor nas galáxias.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Andava equilibrando-se no fino fio desenhado no infinito da imaginação humana. No silêncio de noites e dias, de sóis se pondo e luas renascendo, trasnformando o fino fio em hora dourado, hora perolado. Mas ela apenas andava. Com as pontas dos dedos tocava a única superfície sólida com a delicadeza de um mundo quase sem gravidade. Ela andava sorridente, olhos erguidos. O eixo Y nulo. Zero. Inválido. O eixo da insegurança.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O momento passou: deixei passar por entre os dedos.