terça-feira, 7 de abril de 2009

A menina e o barco

O barco perguntou à menina:
-Vem, menina, sobe aqui. Vou levar você pra passear.
O barco era belo, parecia seguro. Mas a menina desconfiada de barcos que era, hesitou antes de fazer qualquer movimento.
-Vem, menina, vou te mostrar quão bela é a noite de nuvens cinzas e céu azul escuro.
A menina tirou o primeiro pé do chão, seco e sólido, e o firmou cuidadosamente dentro do barco. Este deu uma leve balançada, que quase fez a menina desistir da audácia. Mas o vento da noite pareceu segurar-lhe a mão para que ela não ousasse tirar o pé dali, quase deu um empurrãozinho para que ela firmasse, finalmente, o segundo pé, embarcando por inteiro naquele terreno desconhecido, úmido e instável.
Conhecia bem estes barcos, a menina. A última vez que ela resolveu que era hora de largar a terra firme e ir passear em um barco, ele viajou com ela por longas distâncias, contou a ela milhões de histórias sobre cidades frias, comidas e costumes estranhos, e, repentinamente, desapareceu como faz o mágico com a pomba em um lenço. Sumiu sem deixar vestígios, desapareceu, desintegrou-se no ar. A menina, quando se deu conta, batia-se contra as negras ondas do lago, que de tão frias enfiavam agulhas doloridas em todas as partes do seu corpo.
Ela sentou, tensa, na taboa do meio. Olhos para o local onde a poucos segundos haviam habitado os seus pés. Apertou as bordas do barco como isso fosse garantir que ele não desapareceria. Colocou as mãos entre os joelhos, como que para aquecê-las, e só então se deu conta dos mais diversos objetos que se encontravam no chão do barco.
Uma coberta, um galho de árvore, um remo, cordas, chocolate, um livro e música. O barco, notando que a menina olhava com curiosidade para tais objetos, resmungou:
-Sempre estiveram aí.
-Posso ver? perguntou a menina
O barco deu de ombros e respondeu:
-Como quiser.
A coberta era macia e quente, fazia carinho na pele. O livro, intitulado de "Como fazer uma vela com um galho, uma coberta e cordas" era pequeno, de poucas palavras e muitos desenhos. Ela seguiu os passos e encaixou no fundo do barco o galho, já muito parecido com uma vela. Quando assim o fez, o barco aumentou de velocidade, o que fez com que a menina tentasse agarrar todo e qualquer material na borda do lago que pudesse diminuir a velocidade, ela quase de desespero pulou, de uma vez por todas, para o lago frio. Arrancou a vela improvisada arfando como se tivesse corrido quilômetros. O barco quando viu a restrição da menina quanto à velocidade, fez com que as águas passassem mais devagar pelo seu casco, navegou calma e cautelosamente. Isso, decerto, fez com que a menina se acalmasse.
O barco sugeriu que ela vestisse o cobertor e deitasse no seu peito, pra que assim ele pudesse lhe contar histórias daquela música que infestava o ar com seu cheiro doce, enquanto eles observavam a lua sorridente no céu cheio de estrelas. Essa história puxou muitas outras, passaram os dois, o barco e a menina madrugada a fora contando histórias, memórias e glórias. Ela estava devidamente aquecida e devidamente entretida nas histórias pra perceber o aumento da velocidade no barco. Isso era, possivelmente, sinal de que o barco estava feliz. Ele a segurava contra o peito como se ela fosse sair gritando como já havia feito anteriormente. Adormeceram os dois sob a luz fraca das estrelas e o balanço suave do mar.
No dia seguinte, quando o barco acordou, percebeu que a velocidade havia aumentado, e que desta vez não havia sido ele! Surpreso, ele olhou a menina remando desajeitada, duas vezes para um lado, duas vezes para o outro.
-Estou gostando, justificou ela
-Também estou. Pega um chocolate e deixa eu te contar mais uma história.
Coutou-lhe histórias de outras meninas que haviam sentado naquele mesmo lugar que ela estava agora. Contou-lhe como elas brutalmente pularam do barco, virando-o de cara para o rio congelado, derrubando tudo aquilo que eles haviam colecionado juntos. Ela prometeu-lhe pedir pra ele encostar na borda do lago assim que ela quisesse descer, de forma a não deixar nenhum dos dois vulnerável às águas de agulhas.
O barco estava perdido em pensamentos, quando reparou a menina parada em pé no barco. Ele gritou, desesperadamente:
-Não pule!
Ela olhou-o nos olhos e disse em tom de brincadeira:
-Só se for pular para os seus braços!
Só então ele reparou na vela feita de galho, cobertor e cordas caprichosamente encaixados a favor do vento. A menina ajudava com o remo quando necessário, mas estava,0 na maioria do tempo, de olhos fechados e braços bem abertos, deliciando-se com o vento passando rápido pelos seus cabelos.
-Você não está com medo? perguntou o barco
Ela sorriu.
-Não
Ele limitou-se a retribuir o sorriso.

domingo, 5 de abril de 2009

Como fazer o tempo passar mais rápido

Escute o despertador
Acorde, lave o rosto, olhe no espelho
Não pense se esse dia vai ser único
Não pense que esse é o único dia 5 de abril do ano de 2009
Engula o café da manhã sem sentir o gosto
Ande com pressa
Não sinta o vento
Não olhe as flores
Não olhe o céu
Pegue o ônibus, não olhe pra ninguém
Não olhe pras imagens passando na janela
Perca-se nos pensamentos cegos
Só pense no dia ocupado como todos os outros que vem aí
Desça do ônibus, ande rápido
Não olhe nos olhos das pessoas da rua
Olhe para o chão
Assista aula, mas sem prazer
Pense somente nas provas, nos trabalhos, nos artigos
Trabalhe, mas trabalhe como máquina
Não seja ousado
Faça o que os outros querem que você faça
Não olhe o pôr do sol
Coloque na sua cabeça que você não tem tempo pra nada
Ame sem intensidade
Faça sexo sem insanidade
Não saia da rotina
Não saia da rotina
Não saia da rotina